domingo, 27 de setembro de 2009

ALMA LAVADA....

Credencial de Checador do DAC, devolvida em 1.996.

Recentemente o que tem me preocupado e causado certa indignação é ver para onde está caminhando a nossa aviação experimental. Acidentes estão acontecendo de maneira desenfreada quase todas as semanas. Tenho observado que deficiente treinamento e baixa doutrina de vôo tem ceifado muitas vidas desnecessárias. Antigamente as coisas eram diferentes. Nas décadas de 70, 80 e 90, quando além das funções de piloto me dediquei paralelamente a instrução de vôo ( por que desde aquela remota época, viver só de instrução de vôo nunca foi financeiramente possível), primeiro a grande maioria dos alunos e pilotos não tinham muitas facilidades em comprar a sua aeronave. Então ia adquirindo experiência, voando os aviões dos outros ou dos Aéro Clubes até então ter maturidade e condições de adquirir seu avião, quando já tinham uma bagagem muito grande de conhecimentos. Esse conhecimento e experiência que se adquiri somente com o tempo.
O inicial da carreira, o curso de PP- Piloto Privado sempre seguiu um rígido programa de treinamento imposto pelo ex-DAC (hoje,ANAC) e ninguém tinha pressa em se formar. Tudo acontecida de forma natural e no seu devido momento. Hoje, com as facilidades encontradas com a existencia da opção da aviação aerodesportiva e experimental, onde tudo acontece muito rápido, seja por interesses de amizade ou interesses comerciais de venda de aeronaves é o grande vilão da história. Parece até que estamos voltando para os primordios da aviação. Nesse contexto é que entram aqueles que desejam voar somente por esporte e lazer, sem ter que enfrentar o curso de PP inicial.
Não consigo entender a luz do dia, como um aluno recém formado CPD (Certificado de Piloto Desportivo, que lhe confere voar ultraleves básicos em vôos locais ), passa tão rapidamente para um CPR ( Certificado de Piloto de Recreio, que abre as portas para as grandes navegações, inclusive em áreas de controle com ultraleves e experimentais avançados, onde alguns modelos superam muitos monomotores homologados) e derrepente alguns meses após torna-se Instrutor de Vôo de Ultraleves. Sua bagagem é muito pequena, pelo pouco tempo e pouca experiência de vôo, para suportar a carga imposta ao ministrar instrução de vôo a um aluno. Daí as coisas acontecem, por precipitação de quem está querendo se formar, aliado a insegurança e falta de preparo do instrutor.
Se a nossa classe representativa, ABUL- Associação Brasileira de Ultraleves (
www.abul.com.br) não tomar providencias enérgicas e rápidas, muita coisa ruim ainda vai acontecer e consequentemente a própria ANAC- Agência Nacional de Aviação, órgão controlador, acabará tomando as rédeas dessa carruagem desenfreada.
Durante cerca de 8 anos, fui Checador Credenciado do antigo DAC- Departamento de Aviação Civil do Ministério da Aeronáutica e tive a oportunidade de contribuir pela formação de centenas de pilotos que hoje ainda continuam voando pelos céus do Brasil e até do exterior. Muitas vezes preferi não realizar o vôo de cheque ou re-cheque de algum candidato, para evitar o constrangimento de ter que reprova-lo ou deixa-lo na condição de no limite, pois verifiquei que o mesmo não estava ainda preparado ou não tinha aptidão pelo vôo. Alguns encaram isso como conselho e não deixaram de ser meus amigos, outros encararam essa situação de despreparo como se eu fosse uma pessoa ruim, que não quis ajudá-los ou sei lá o que pensaram da minha atitude, naquele momento tão difícil que é pra o Checador assinar o destino de alguém. Entretanto estou de ALMA LAVADA, pois consigo colocar minha cabeça no travesseiro e dormir. Estou consciente de que fiz a coisa certa, apesar da dor da recusa que causei em alguns. Com o tempo de vôo e com as horas que possuía, voadas no exercício da minha carreira profissional e como instrutor de vôo por longos anos eu acabei adquirindo a sensibilidade de reconhecer quem voava ou quem não voava, só pelo fato de observar o jeito com que o candidato entrava no avião. Naquela época o aluno ou piloto apresentava a sua CIV ao Checador e num simples folhear de folhas e um bate-papo pré-vôo, podiamos fazer antecipadamente um julgamento da situação.
Atualmente tenho visto muita gente despreparada dando instrução ou mesmo sendo credenciados com Checadores pela ABUL-ANAC. Não entendo quais são os interesses, mas o que sei é que tem gente que não voa nem sequer o seu avião sozinho. Nunca tentou um vôo fora do seu aeródromo, nunca foi a um encontro ou festa aviatória a não ser de carro e acaba sendo Checador credenciado. Daí acontece uma coisa desagradável, onde a gente recusa fazer um vôo de cheque ou re-cheque e alguns dias depois esse/s checador/es acabam validando aqueles que, ao meu ver não tinham condições, sejam elas técnicas ou psicológicas. Essa carreira dominó acaba muitas vezes em um acidente, onde a precipitação é fator primordial e contribuinte. Bastava um pouco mais de treinamento, paciência e humildade. Em 1976, as coisas andavam meio tumultuadas, então desanimado e desestimulado devolvi minha Credencial de Checador do DAC e me afastei do sistema. Agora diante de tantos fatos ocorridos, estou pensando em devolver minha Credencial de Checador da ABUL emitida de acordo com a ANAC e seguir o meu caminho simplesmente como piloto e amante dessa aviação que faz parte da minha vida desde 1.972, quando comecei a voar como aluno.
A coisa é seria e estão brincando com vidas humanas e eu encaro a aviação como um segmento da vida que não aceita erros. Nos meus re-cheques para revalidar as minhas licenças (CHT) enfrento os militares e os tenho no maior respeito, pela dignidade e compromisso que possuem pela integridade do sistema.

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