sexta-feira, 2 de outubro de 2009

UMA TORTA PARA O SANTO.






Uma torta para o Santo
Célebre doce que homenageia Santiago tem seu consumo triplicado na Quaresma.
J. A.DIAS LOPES – Especial para O Estado, 26/MAR/04.

Misturando apenas farinha de amêndoa e de trigo, açúcar, ovo, casca de limão ralada e uma pitada de canela, os espanhóis fazem um dos doces mais célebres do mundo. Um doce Medieval. É a torta de Santiago, nascida com inspiração religiosa. Homenageia um grande santo católico.
Segundo a tradição, os restos mortais de São Tiago Maior, pescador profissional, irmão de São João e primeiro apóstolo de Jesus a tombar martirizado, repousariam na Espanha. Decapitado na Palestina, por ordem de Herodes, teve seu corpo resgatado pelos seguidores. A seguir, levaram-no pelo mar à Espanha, onde ele pregara durante seis anos.
O povo acredita que a embarcação foi guiada por um anjo. Estaria sepultado no altar-mor da Catedral de Santiago de Compostela, na província da Galícia, ao norte de Portugal. Todos os anos, milhões de visitantes aparecem ali para venerá-lo. Na idade Média, Santiago de Compostela se tornou um dos três mais importantes centros de peregrinação católica no mundo. Os outros são, Jerusalém e Roma.
A torta.
A torta para o santo, embora seja preparada o ano inteiro, tem o consumo triplicado nesta época, ou seja, durante a Quaresma – os 40 dias que vão da Quarta-Feira de Cinzas até o Domingo de Páscoa. A abstinência alimentar que a Igreja Católica prescreve para o período excluiu os doces. A procura também aumenta em Julho, pois a 25 daquele mês se comemora a Festa do santo.
A fina camada de açúcar de confeiteiro polvilhada sobre a torta aparece entrecortada pela cruz da Ordem de Santiago. Ninguém sabe onde e quando a receita nasceu, nem porque recebeu o nome do apóstolo de Jesus. O fato é que os peregrinos que chegam a Santiago de Compostela a consomem há séculos. Alguns fazem isso embriagados pela fé. Nem precisavam de tanto. A Torta de Santiago é um grande doce, independente da relação com a espiritualidade.
Um dos ingredientes – a amêndoa – testemunha sua antiguidade. Fruto ou semente de uma planta de origem incerta, cultivada há milênios na bacia do Mediterrâneo e também na Ásia, figura em velhos textos medievais históricos.
Nas receitas mais antigas, era combinada com mel, leite, fruta seca ou fresca. A amêndoa é a base do marzipã. Essa preparação, que ainda leva claras de ovo e açúcar, haveria surgido no século XIII. Exerceu forte influência no desenvolvimento da alta confeitaria européia.
Três países reclamam sua autoria. Os italianos afirmam que o marzipã se originou em Veneza. Sua conterrânea Caterina d`Medice o teria levado a Paris, em 1533, quando casou com o futuro rei da França, Henrique II.
Os espanhóis asseguram que surgiu num convento de Toledo, perto de Madri, como alternativa para o pão, alimento impossível de ser produzido num inverno particularmente rigoroso. No século XVI, as monjas espanholas comiam marzipã nos dias de interdição penitencial da carne. A amêndoa é substanciosa. Contém 50% de gorduras, 15% de proteínas, bem como sais minerais e vitaminas. Santa Teresa de A`villa, freira e mística, dava o aval. “As amêndoas fazem muito bem às mulheres que não podem comer carne”, afirmava ela. Os alemães da cidade de Lubek repetem uma história igual à de Toledo, só que ocorrida no seu território.
A pâtisserie da Galícia possui outras obras-primas ã base de amêndoa. Uma delas é a Torta de Mondoñedo, que tem o nome de uma antiga cidade de região, cortada por ruas encantadoras, velhas igrejas e casas senhoriais. Entretanto, não se notabiliza apenas pelos doces. Cultiva esplêndidas abóboras, acelgas, alhos, batatas, cebolas, couves-de-bruxelas, feijões, nabos, pimentões e tomates. A fama de suas ostras, amêijoas, mexilhões, percebes, polvos e lampreias correm o mundo. As vieiras – cujas conchas os peregrinos de Santiago de Compostela adotaram como símbolo – têm sabor espetacular. O mesmo se diga dos queijos, com destaque para o cremoso e suave tetilla; e das castanhas, que ao passarem pela calda de açúcar se transformam no cobiçado marrom glacê. O vinho branco Albariño e a aguardente de orujo, irmã da bagaceira portuguesa completam a festa galega.
Os peregrinos que percorrem o Caminho de Santiago geralmente começam a viagem na França. Há outros pontos de partida, mas um deles é a cidade de Saint Jean-Pied-de-Port, a 22 quilômetros da fronteira com a Espanha. A tradição manda sair chegar ao destino a pé. Existe quem escolha bicicleta ou cavalo. Também é possível ir de automóvel, embora esse meio talvez não agrade ao céu. A primeira localidade na Espanha é Roncesvalle. Até Santiago de Compostela serão mais de 700 quilômetros, ao longo dos quais se encontram 87 cidades, vilas e povoados. No passado, os fiéis acreditavam que a viagem redimia pecados e assegurava um lugar no paraíso. Hoje, os místicos afirmam que muda a vida das pessoas.
Vem sendo assim desde o ano 813, quando os restos de São Tiago foram reencontrados, após quase oito séculos de sumiço, num lugar onde as estrelas eram mais brilhantes. Daí o nome de Compostela, ou seja, Campo das Estrelas. Deslumbrado com a descoberta, Afonso II, o Casto, rei das Astúrias, mandou construir ali uma igreja para guardar as relíquias. A atual catedral de estilo românico surgiu entre os séculos XI e XII, substituindo o primitivo templo.
Na mesma época apareceu o Guia do peregrino, primeiro manual de viagens da Idade Média, atribuído ao papa Calisto II. Por isso mesmo, passou a ser conhecido como Codex Calixtinus. Descrevia o caminho de Santiago em detalhes, ensinava como percorrê-lo, falava de seus lugares e gentes. Mas, além de indicar os lugares de culto, sugeria onde dormir e comer, incluindo os apetitosos pratos de caça de pêlo e pena de Navarra, província espanhola situada na parte ocidental dos Pirineus. Os peregrinos pobres comiam de graça.
Em Roncesvalle, por exemplo, eram distribuídas anualmente 25 mil rações, que se resumiam a um pedaço de pão e um copo de vinho. Entretanto, na Semana Santa e outras ocasiões de abstinência de carne, recebiam caldo de verduras e bacalhau cozido.
Atualmente, persistem serviços gratuitos, entre os quais a hospedagem em albergues públicos. O Caminho de Santiago, porém, oferece modernos hotéis, luxuosos paradores de turismo e excelentes restaurantes, muitos localizados em antigos estabelecimentos religiosos da Idade Média, assim como ótimos bares e tavernas, sobretudo nas cidades de Pamplona, Logroño, Santo Domingo de la Calzada, Burgos e Leão. Na localidade de Irache, perto de Estella, em Navarra, encontra-se a Fonte dos Peregrinos. Compreensivelmente, tornou-se um dos lugares mais visitados. Possui duas torneiras embutidas em vieiras moldadas no metal da parede. A da direita jorra água pura; a outra, vinho tinto. Bebe-se à vontade e de graça. Afinal, como diz o provérbio galego, “sem vinho e sem pão não se faz o caminho”.
RECEITA – TORTA DE SANTIAGO
Ingredientes Massa : 1 ovo, 125 gramas de açúcar, cerca de 1 a 2 colheres (sopa) de água quente, 125 gramas de farinha de trigo, manteiga para untar, farinha de trigo para polvilhar, açúcar de confeiteiro para polvilhar.
Recheio : 4 ovos, 250 gramas de açúcar, casca ralada de 1 limão, 250 gramas de amêndoas moídas, uma pitada de canela.
PREPARO DA MASSA Numa tigela grande, bater o ovo com o açúcar e a água quente, até a mistura espumar e os ingredientes ficarem bem incorporado.
Colocar a farinha de trigo aos poucos, mexendo sempre, para que a massa fique lisa e homogênea.
Abrir um pedaço de filme plástico sobre uma superfície de trabalho, polvilhar com farinha de trigo, colocar a massa por cima e cobrir com outro pedaço de filme plástico, também enfarinhado.
Com um rolo, abrir a massa dentro do filme, até ficar com cerca de 2mm de espessura.
Colocar a massa no fundo de uma forma de abrir, com cerca de 24 cm de diâmetro, já untada com manteiga e polvilhada com farinha de trigo. Com um garfo, furar a massa em vários pontos. Reservar.
PREPARO DO RECHEIO
Bater os ovos com o açúcar, até crescerem e ficarem bem espumosos. Incorporar a casca de limão ralada, as amêndoas moídas, a canela em pó e misturar muito bem, até obter um composto homogêneo.
FINALIZAÇÃO Derramar o recheio sobre a massa, alisar e assar em forno preaquecido a 180 graus C, por cerca de 30 a 35 minutos. Deixar esfriar a torta dentro da fôrma.
Desenformar num prato de service e, antes do primeiro corte, polvilhar com açúcar de confeiteiro.
NOTA
: A tradição manda recortar numa cartolina o molde da Cruz da Ordem de Santiago e colocar sobre a torta. Depois, polvilhar a torta com açúcar de confeiteiro e retirar o molde. A cruz ficará desenhada na torta.
RENDIMENTO: 8 a 10 porções.

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